Discurso de Haroldo Figueira durante sua posse na AALO

Discurso de Haroldo Figueira durante sua posse na AALO

Haroldo Figueira. 

Antes de transcrever as palavras que proferi quando de minha posse na AALO, gostaria de penitenciar-me pela imperdoável falha de, naquela ocasião, não haver mencionado o nome do titular da cadeira n° 11, cuja vaga coube-me a honra de ocupar, no caso, meu dileto e saudoso amigo Carlos Antônio Barbosa da Silva.

Carlos Antônio e eu fomos colegas de turma nas atividades escolares do antigo Ginásio São José. Pessoa cordial, divertida e inteligente, juntos construímos um bom e duradouro relacionamento de amizade. Nessa época, já revelava sua inclinação para a arte do desenho, prenunciando o competente arquiteto que viria a tornar-se mais tarde.

Conservo, dele, as mais gratas recordações. Ainda que inoportunamente, aproveito este prelúdio para homenagear sua memória, formulando, ao mesmo tempo, preces a Deus para que se apiede de sua alma e a acolha em uma das moradas reservadas aos justos na Corte Celestial.

Feito o registro, reproduzo, na íntegra o meu discurso.

Devo confessar, inicialmente, que me sinto profundamente lisonjeado pela escolha do meu nome para fazer parte do ilustre quadro desta conceituada Academia. Nem sei se estaria à altura. Ainda assim, recebo com grande satisfação a honraria que me foi concedida.

Essa sensação de envaidecimento cresce ainda mais quando me dou conta de que farei parte do mesmo silogeu do qual participaram pessoas portadoras de inteligências privilegiadas que tenho em alta estima, mas que, infelizmente, não se encontram mais entre nós. Refiro-me aos amigos Hugo Ferrari e Fernando Souza, o primeiro, parceiro de serenatas, o último, colega com quem trabalhei no Banco Brasil. A eles a minha homenagem póstuma, acompanhada de minhas preces a Deus para que encontrem o descanso eterno.

A Academia Artística e Literária de Óbidos, antes de tudo, resgata e imortaliza o passado histórico de amor às letras que nos foi legado por homens de extraordinária capacidade intelectual do porte de um José Veríssimo, de um Inglês de Souza , de um Ildefonso Guimarães, de um Francisco Manoel Brandão, de um Saladino de Brito entre tantos outros nomes insignes, que se destacaram  na crítica literária, na prosa, na poesia e em outras atividades ligadas às artes, às letras e às ciências de um modo geral.

A responsabilidade, portanto, de pertencer a uma instituição renomada e com propósitos culturais tão nobres é imensa. Todavia, uma vez lançado e aceito o desafio, não me resta outro caminho senão esforçar-me para oferecer, dentro das minhas limitações intelectuais, o que de melhor sou capaz de produzir.

Ao ler o estatuto da AALO, no seu artigo 20, § 1°, deparei-me com a referência ao dístico “cogito, ergo sun”, constante da comenda reservada aos acadêmicos, inspirado na máxima do filósofo  francês René Descartes “cogito, ergo sun”, ou: “penso, logo existo”.

Ensina-nos o filósofo que quando pronuncio a frase “penso, logo existo”, vejo-me clara e distintamente com um ser pensante.  Essa percepção cristalina implica o princípio fundamental da evidência que dá sustentação ao método investigativo, de autoria do pensador, responsável por inaugurar um novo modelo de saber filosófico e científico. 

Mas o que entende Descartes por pensamento? Ele mesmo responde: “Com o termo ‘pensamento’eu abranjo tudo aquilo que existe em nós de tão factual, que somos imediatamente conscientes dele, como, por exemplo, todas as operações da vontade, do intelecto, da imaginação e dos sentidos são ‘pensamentos’.

Infere-se, daí, que no pensamento reside a matriz das manifestações artísticas, culturais, científicas e literárias que o mundo conhece. Constitui-se, pois, na própria razão de ser de entidades como a A.A.L.O. A alusão estatuária ao “cogito, ergo sun” cartesiano revelou-se, assim, uma ideia luminosa e feliz.

Lembranças são, também, pensamentos relacionados a um tempo que, apesar de ter ficado para trás, deixou saudades. No meu caso particular, essas recordações ganham vida quando escrevo sobre Óbidos, sobre sua gente, sua cultura, seus costumes, sua história, suas belezas naturais, seus encantos, enfim.

E não poderia ser diferente. Aqui nasci, cresci, eduquei-me, iniciei-me na vida profissional, casei-me e recebi de Deus o dom da vida de minha primeira filha. Com toda a segurança, posso asseverar que os laços afetivos que me unem à Cidade-Presépio são profundos e indissolúveis. Tenho, em vista disso, sobejos motivos para mantê-la presente na minha mente e no meu coração.

Vivo distante de minha cidade desde 1974. Lá se vão 43 anos. Por onde passamos, eu e minha família, fomos bem acolhidos. Resido em Natal, Rio Grande do Norte, desde 1977. Sinto-me, pois, plenamente adaptado aos hábitos e costumes do povo potiguar.

Isso não significa dizer, porém, que me desvinculei das minhas raízes obidenses. Pelo contrário, permaneço emocionalmente ligado ao meu torrão natal. E nem era de se esperar outro comportamento. Afinal, quem é que consegue esquecer-se do lugar onde foi feliz?

Peço vênia para fazer remissão, mais uma vez, à palavra pensamento. E desta feita não é para invocar Descartes, mas outra figura não tão famosa quanto o fundador da moderna filosofia, mas muito cara para mim por conta do meu passado de seresteiro. Refiro-me ao compositor gaúcho Lupiscínio Rodrigues.

Canta Lupiscínio nos versos da canção “Felicidade”: “o pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar”. Pois é, de vez quando meu pensamento costuma alçar voo e pousar na terra dos  pauxis.

Agora, no entanto, a situação mudou. A viagem sonhada deixou de acontecer apenas no campo virtual. Depois de muitos anos ausente estou, de novo, fisicamente, pisando o solo onde nasci.

Isso me deixa triplamente gratificado. Primeiro, pelo reencontro com as minhas origens. Depois, por fazê-lo justo no período das festividades de Sant’Ana, tão significativo para os obidenses que, como eu, professam a fé católica. Por último, pela oportunidade de ingressar na prestigiada Academia Artística e Literária de Óbidos, distinção com a qual seus eminentes membros tão gentilmente resolveram me agraciar.

Muito obrigado! E que Senhora Sant’Ana abençoe e proteja a todos nós!

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