O PRESENTE "DA AMOR"

O PRESENTE "DA AMOR"

Por Jorge Ary Ferreira

Era um domingo ensolarado de setembro. Vento soprando da Serra da Escama e eu descendo a rua de casa, à procura de uma conversa fiada com alguém mais desocupado do que eu... Foi quando, de repente, uma voz aveludada e soprano, como um espinho de laranjeira, "estrepou" meus tímpanos. Era "A AMOR", como carinhosamente chamávamos dona Deuzira Matos, que também tratava a todos, indistintamente, com esse mesmo agrado.

Viúva do saudoso Zé Matos, antigo administrador do "Curro", homem muito influente que já havia partido há bastante tempo, e mãe dos amigos Cristóvão Matos e Zeca Matos. Era pessoa muito carinhosa e bem quista por todos. Exímia costureira que criou seus filhos com muita dignidade, sempre completando seus rendimentos com sua "Singer" velha de guerra.

Por ela eu tinha um carinho muito especial, assim como ela para comigo.

Foi então que me disse, por cima da cerca que separava o seu quintal da parte da frente de casa:

- Amor, eu quero falar contigo!

E eu respondi:

- Espera aí, amor, vou ali no Corino meter um fiado e na volta paro para falar contigo!

- Mas não demora que o Sol está muito quente...

- Não! Não me demoro. É rapidinho... Eu vou lá e já passo aqui contigo!

- Tá, eu vou te esperar, amor...

Desci, fiz as compras que precisava, bati um papo com meu amigo Corino e, 'para variar" (quem me conhece sabe) distrai e demorei. Voltei já por volta de onze e meia da manhã, sem lembrar do compromisso de parar com D. Deuzira.

Na subida, ouvi novamente aquela voz estridente:

- Mas tu não tens palavra, amor, eu te disse que viesse cedo....

Dei uma desculpa esfarrapada:

- Não, amor! Eu estava aproveitando a amizade para merecer uma receita da Doutora Beth. Tu sabes como é, apareceu uma dor nas "cadeiras" ultimamente. A idade vai chegando e a gente ficando todo emperrado...

- Olha, amor, toma chá de Canela de velho! Minha "chiquara" também já não me ajuda mais. É muito bom para dores e é com que eu me vejo. Vou mandar um pouco pra Marilda fazer um chá para ti e tu vais ver como vais melhorar.

- Te agradeço. Vou tomar sim!

- Está bom... Mas é que eu tenho um negócio para te dar! Disse-me, virando com aquele olhar angelical, nariz afilado e vestindo o famoso "robe de chita" que todas as senhoras da nossa cidade usam na terceira idade - fino, quase transparente, aparentando os vários anos de uso, florido e balançando ao vento de setembro.

- Mas se é presente eu quero, respondi. Trata de me dar!

- Não, amor. É um pé de planta pro teu jardim que a Marida passou aqui, se agradou e eu disse que eu ia mandar pra ela.

- Ah!, tá bom, obrigado! Eu levo...

Aí ela vira sorridente, me entrega o pé de uma planta e diz, meio envergonhada:

- Mas não era bem isso que eu queria te dar...

- E o que era então?

- É outra coisa, amor. Só que eu tenho vergonha...

- Porque já, vergonha? Negativo! Se queria me dar já é meu. E trata de me entregar!

E caminhei no rumo da cerca que separava seu quintal com o do seu vizinho, saudoso Arnaldo Siqueira. Ela voltou-se pra mim e disse:

- Olha, amor, eu vou te dar, mas não vai fazer chacota de mim...

- Que é isso? Por que faria?

Do meio das plantas, ela tirou uma linda palmeira e eu fiquei olhando para a folhagem, admirado. Realmente muito bonita!

Só percebi o motivo da sua dúvida em entregar o presente quando ela falou:

- Eu queria te dar esse pé de palmeira, a Marilda vai gostar, mas, é que eu plantei no meu "urinol"...

Quando ela retirou as mãos e eu pude ver o velho penico, encardido, com a linda palmeira, soltei uma bela gargalhada e respondi...

- Mais é este presente que eu quero, amor. Só não vou gostar mais porque não é um pé de capim santo. Eu queria mesmo era tomar chá com a inhaca da bicha! Kkkk

Ela soltou um grito e disse, também gargalhando:

- É uma peste esse amor! Eu sabia que ele já vinha com a cachorrada dele...

Recebi meu presente e subi, orgulhoso, com o penico, que até hoje está plantado no jardim de nossa casa. Logicamente é a planta mais notável daquele jardim...

* Infelizmente A AMOR, já partiu deste plano à alguns anos, onde deixou muito carinho semeado!

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