O MELANCÓLICO FIM DOS QUINTAIS

O MELANCÓLICO FIM DOS QUINTAIS

Haroldo Figueira

Nas cidades do interior ainda é possível encontrá-los. Nos grandes centros urbanos, porém, esses outrora apreciados prolongamentos de nossas moradias praticamente desapareceram. Culpa, principalmente, da especulação imobiliária que, no afã de aumentar as margens de lucro dos empreendimentos habitacionais, reduziram os quintais a espaços tão exíguos, que atualmente mal dão para construir uma morada de porte médio. Quanta saudade dos terrenos avantajados de um tempo atrás, capazes de proporcionar aos moradores uma agradável sensação de ampliação da liberdade de locomoção.

Lembro-me que, em Óbidos, considerava-se pequeno um lote residencial de 600 m2. O normal era que se situasse em torno dos 1000 m2, área suficiente para, além da casa de habitação, abrigar outros itens de utilidade para a família como um pomar, uma plantação de hortaliças, um jardim, um galinheiro. E ainda sobrava espaço para a garotada jogar pião, peteca e até para improvisar um campinho de futebol.

Cabiam no terreno, ainda, um quaradouro e um jirau para tratar peixes – estruturas desconhecidas de muita gente país afora, mas de presença assegurada nos quintais amazônicos de antigamente. Por falar em quaradouro, me vem ao pensamento uma cena engraçada (não para o protagonista, obviamente) envolvendo um deles. João e Joana (chamemos ficticiamente o casal assim) armaram o seu bem próximo à cerca divisória do imóvel, onde vicejava um pé de pimenta malagueta. Bem-te-vis vinham alimentar-se dos frutos picantes bicando-os, antes, justo em cima daquela espécie de bancada de palha para clarear roupas. Certa vez, fizeram-no sobre uma cueca de morim do dono da casa que se encontrava estendida no local. Dá para imaginar o que sucedeu com o pobre usuário após vestir a fatídica peça íntima. Pulava e xingava de um lado para o outro feito doido, sem atinar com o porquê de  tamanho ardume na genitália.  

Como era bom brincar nesses pedaços de chão. No quintal de casa não havia muitas árvores. Nada obstante, conservo carinhosamente na memória a pitombeira, o cutiteiro e a saboneteira que existiam lá, todas frondosas e fornecedoras de sombra. Escalava-as para, no alto dos ramos, colher e saborear seus frutos, à exceção da última, cuja produção não era comestível, mas servia para dela se extrair as pequenas esferas arredondadas que, quando não havia dinheiro no bolso da molecada para adquirir os pequenos globos de vidro no comércio, substituíam-nos no disputado jogo de bolinhas de gude.

Lembro-me que debaixo do pé de sabonetes ficavam três tonéis de metal com capacidade para pouco mais de cem litros cada. Funcionavam como reservatórios de água para suprir as necessidades domésticas em períodos (frequentes) de desabastecimento. A despeito de sua inquestionável utilidade, só lhes dava valor, mesmo, quando, com o corpo suarento e extenuado após as peladas de rua, aproximava-me de suas bordas para um refrescante e restaurador banho de cuia. Delicioso!

Na cidade, as residências possuíam sobras de terrenos bem maiores que a porção utilizada na edificação das unidades habitacionais. Algumas chamavam a atenção pelo tamanho da superfície e pela farta cobertura vegetal.  É o caso, por exemplo, das de propriedade da Prelatura e das famílias Corrêa Pinto, Giordano Iúdice e Amaral. E havia, ainda, algumas outras áreas igualmente privadas, mas baldias, já objetos, inclusive, de crônicas a respeito, às quais a meninada tinha livre acesso para explorá-las com passatempos divertidos, tais como quintal do Amadeus e o do Machadinho.

Não dá para esquecer, também, do quintal do seu Ataulfo que fazia fundos com a rua onde eu morava. Dava gosto visualizá-lo por entre as frestas das hastes pontiagudas de maçaranduba que o cercavam. No terreiro plano não se via uma folha debaixo das árvores. Só os sulcos rasos deixados pela vassoura de galhos de piaçava com a qual o proprietário religiosamente o varria toda manhã. Um primor de limpeza.

Independentemente de nossa vontade e de nossos sentimentos, mudanças são fatos inevitáveis no decorrer da vida. Daí o raciocínio de que é melhor irmo-nos acostumando com a ideia do fim dos extensos quintais. Ele há de acontecer mais cedo ou mais tarde. A propósito, atribuí no início do texto esse indesejável desfecho à especulação imobiliária. Mas esta é apenas, a meu ver, a causa maior. Existem outras, no entanto. Terrenos grandes, ainda mais se forem arborizados, costumam atrair marginais que os utilizam como esconderijos para posteriores ataques às residências e aos seus ocupantes. Mazelas de um tempo novo, mais violento e menos seguro.

Natal, 6 de outubro de 2010.

 

 

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