RUA BACURI

RUA BACURI

Este texto, RUA BACURI, foi escrito pelo saudoso arquiteto Carlos Antônio Silva (in memoriam), membro da Academia Artística e Literária de Óbidos - AALO, publicado em nosso site em agosto de 2010 e que estamos republicado.

Carlos Antônio (In Memoriam).

Com treze anos de idade desembarquei em Óbidos, vindo do Paraná de Dona Rosa, para continuar os estudos iniciados com a professora Lourdes Diniz na Fazenda Santa Cruz. A mudança foi como dormir em Óbidos e acordar em Paris.

Morei na Bacuri, naquela época a principal rua da cidade. Fiquei vislumbrado com as ruas, com as casas de alvenaria, com a Serra da Escama, com um caminhão verde que tinha um passarinho prateado de asas abertas sobre o capô, com as igrejas, enfim: fiquei encantado e apaixonado por aquele lugar, que até hoje não me sai da cabeça.

Minha rua era o caminho preferido da população. Os moradores, no fim da tarde, apreciavam o movimento, sentados nas calçadas, em cadeiras de vime, esperando a carinhosa saudação daqueles que por ali passavam. Outros na janela cumprimentavam e quase sempre, trocavam informações familiares.

A cidade parecia ser uma grande família, e nossa rua, um corredor de circulação. A saída do colégio enchia de alegria e movimento, tal qual periquitos voando em liberdade; os desfiles e procissões tinham que passar por ali, quase que para homenagear a cidade; as moças de vestidos novos, desfilavam garbosamente como numa passarela. A rua tinha vida e encanto.

Foi lá que descobri a perspectiva. Na esquina da Pharmácia Esculápio eu ficava maravilhado, vendo as calçadas quase se tocando na casa do Haroldo Xapuri. Quando eu estava defronte da casa do Sr. Podaliro Amaral, percebia a mesma ilusão, como se a ladeira caísse no rio, num só ponto. Esta fascinante rua nos parecia muito longa, tanto que, quando queríamos indicar um endereço distante, dizíamos: “fica lá pro fim da rua”.

Brincávamos na chuva, fazendo barragens com os pés nas sarjetas. Hoje pode até parecer sem graça, mas vibrávamos com o volume d’água sob o controle dos nossos pés. Brincávamos também com rodas de ferro, com vonga, com baladeira, com petecas, com pião e papagaios. Éramos sadios. Tínhamos nosso refúgio num imenso terreno, onde talvez morasse no passado uma rica família. A casa em ruína parecia misteriosa. Sentíamos uma sensação mágica, induzindo-nos a descobrir os segredos do Machadinho. Ficávamos ali como pesquisadores, catando cacarecos, caçando camaleões, apanhando frutas e por várias horas conversávamos na soleira de mármore da velha casa, com a baladeira pendurada no pescoço. Não imaginávamos que um dia aquilo iria nos revestir de tanta saudade.

Na Rua Bacuri moravam médicos, advogados, fazendeiros, políticos, tradicionais comerciantes, dos quais lembro: Isaac Hamoy, Cornélio Santos, família Barros, Emanoel Simões, família Ayres, Areolino Amaral, Brito Souza, Gentil Ferreira, Renato Martins, Ferrinho, José Imbeloni, Francisco Lôbo, Pedro Nolasco, Pastor Brelaz, Hélio Marinho, Délio Marinho, Agnélo Vieira, Dona Raquel, Dona Zuleica, Grijalva, Antonio Priante, Sinval Dias, Titilo Savino, família Aranha Martins, família Prado, família Silvestre Reis, Armélio Santos, Titilo e Lucidéia, Benedito e Leonardo, família Sarrazim e Florenzano.

Na Prefeitura, carinhosamente lembro da Dona Chaguita, família Coelho, família Aquino, Magalhães, família Rego, Zezinho Andrade, Armando Cunha, as Souzas, família Chaves, família Amaral, Santarém, família Figueira, Júlio Boto, barbeiro Laurentino, Dona Laurentina Souza (Rebite) e muitos outros que não consigo recordar.

Naquele tempo, eu não pensava ser um dia apreciador das técnicas construtivas, da arquitetura e nem percebia que eu andava entre relíquias históricas, que fundamentam nosso passado.

Hoje esta rua está solitária. As casas comerciais, com portas de aço, estão subindo a ladeira, descaracterizando a “Cidade Presépio”. Os alunos do Colégio São José saem pela Rua Justo Chermont; as pessoas andam como filhos de guariba, grudados nas costas dos moto-taxistas; a cidade flui sem o encanto, sem a contemplação e companheirismo de outrora.

Eu continuo encantado, com sentimento derretido, nada podendo fazer pela rua que me acolheu com muito carinho.

Obidenses orgulhem-se de Óbidos!

*Carlos Antônio (in memoriam) foi membro da AALO

 

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