ÓBIDOS 320 ANOS: Óbidos sua história sua gente

ÓBIDOS 320 ANOS: Óbidos sua história sua gente

Por Célio Simões.

A História dos Municípios do Pará, do jornalista e acadêmico Carlos Rocque, fixa o remoto ano de 1697 como a mais recuada memória que existe sobre Óbidos, ano em que o então Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho ordenou a construção de um Forte visando dominar a "estreita" passagem do Amazonas (cerca de 2.000 metros de largura) e consolidar o domínio português naquela importante rota da navegação fluvial, através da qual é possível atingir Iquitos no Perú e daí os contrafortes da Cordilheira dos Andes.

O local já fora assinalado com destaque em 1637, quando Pedro Teixeira, em sua pioneira expedição fluvial subindo o Amazonas até atingir a confluência do Napo, fez registrar sua observação de que, naquele ponto, o rio diminuía sua largura, passando apertado em uma garganta de terra.

Bento da Costa, o arguto piloto da expedição de Teixeira, incumbido do relato dos principais acidentes geográficos nessa viagem pelo grande rio, objetivando ultimar a documentação cartográfica da legendária expedição, fez a seguinte observação, recolhida pelo Padre Jesuíta Alonso de Rojas e citada por Arthur Cezar Ferreira Reis em sua História de Óbidos: "O piloto-mor, principal descobridor deste rio, diz que convém muito que S. M. mande edificar no lugar estreito, já assinalado, e ponha nele guarnição para impedir a passagem do inimigo holandês, para que não suba o rio e se apodere das suas províncias. Porque como a navegação é sem perigo, manso o rio, abundantes os mantimentos e os índios pouco belicosos, será fácil ao inimigo navegar este rio e aproveitar-se das riquezas e frutos da terra".

Coube ao Superintendente das Fortificações Manoel da Mota Siqueira, construir em taipa de pilão o referido Forte, sobre a alta ribanceira à margem esquerda do Amazonas, artilhado com quadro pequenas peças, à guisa de garantir a soberania de Portugal naqueles ermos da floresta, ficando o mesmo, depois de pronto, conhecido pela denominação de Forte de Pauxis, em homenagem aos índios Pauxis que lhe habitavam as vizinhanças.

A partir da consolidação daquele núcleo militar, toda embarcação que subia ou descia o rio empenhada no comércio legal ou não das riquezas da flora e da fauna, era intimada a parar para a cobrança do dízimo devido à Coroa Real.

Nessa condição de posto fiscal permaneceu por longos anos o Forte de Pauxis quando em 1762 recebeu a visita do Bispo do Pará Frei João de São José, que constatou com visível surpresa limitar-se a guarnição a dois soldados e dos quatro canhões iniciais apenas dois ainda funcionavam, o que evidentemente tornava inócua sua finalidade defensiva. Tanto que, em 1788, o novo Bispo do Pará, Frei Caetano Brandão ratificou que o forte guardava privilegiada posição estratégica, porém completamente destituído de todos os meios e recursos para a sua própria defesa.

Nada obstante, desde o ano de 1693 os índios Pauxis contavam com a assistência religiosa dos Capuchos da Piedade, vindos da cidade do Porto, em Portugal, onde já se haviam organizado como irmandade desde 1500 (ano do descobrimento do Brasil), entregando-se à prática de contínuas penitências, como forma de purificação espiritual.

A eles foi confiada a missão evangelizadora daqueles silvícolas, convertendo-os às práticas religiosas, dando-lhes as mais elementares noções de trabalho organizado, de defesa contra a exploração desenfreada pelo homem branco e em prol de sua própria sobrevivência. O aldeamento dos Pauxis paulatinamente ganhou importância pela sua condição de vizinha do Forte e assim, mercê da laboriosa atividade dos religiosos, tornou-se um local de vida produtiva e movimentada, sob a proteção de sua padroeira, Nossa Senhora Santana, cuja matriz (hoje catedral), foi solenemente inaugurada dia 8 de Fevereiro de 1.827.

Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal e nomeado Governador plenipotenciário de toda a Amazônia, estendeu aos Capuchos da Piedade as retaliações até então restritas aos Jesuítas no trabalho de catequese dos gentios, destituindo-os da direção de todas as aldeias sob sua jurisdição. E em 25 de Março de 1758, sábado, numa viagem com destino ao Rio Negro, Mendonça Furtado pessoalmente elevou o lugar à categoria de vila, com o nome de ÓBIDOS, em homenagem àquela cidade portuguesa, promovendo a unificação do aglomerado humano existente no Forte, com os habitantes de duas aldeias às proximidades, que os padres da Piedade haviam administrado antes de serem afastados por Pombal.

Ainda como vila enfrentou os percalços da Cabanagem, verdadeira guerra civil que convulsionou a Amazônia de 1831 a 1840, deixando um rastro de milhares de mortos e incalculáveis prejuízos materiais. Após terem tomado Santarém, Monte Alegre e Alenquer, os cabanos investiram sobre Óbidos, sendo firmemente repelidas pelos obidenses, sob a liderança do Padre Raimundo Sanches de Brito e de seu irmão, o também religioso Antônio Manuel Sanches de Brito, que se revelaram excelentes estrategistas.

Os cabanos mudaram de tática. Propuserem desembarcar como "amigos" e assim foram recebidos. À noite, com toda a população dormindo, violaram o acordo e tomaram o Forte, apossando-se das armas disponíveis e promovendo, além de saques, o assassinato de vários cidadãos, especialmente os de origem portuguesa. Eram eles formados por levas de caboclos, de desertores do exército, de índios muras e mundurucus e principalmente de escravos ávidos por liberdade. Os que conseguiram escapar daquela noite de terror reuniram-se em torno de Padre Sanches e revidaram ao ataque, conseguindo libertar a vila após renhido combate, colocando os rebeldes em fuga.

Temendo-lhes o retorno, a população predominantemente católica fez solene promessa de erguer um templo caso fosse poupada de novo assédio dos cabanos. Surgiu assim em 1885 a Capela do Bom Jesus (Foto 2), construída mediante coleta pública no ponto mais alto da colina e hoje ainda lá se encontra como testemunha dessa convulsionada fase da vida política do Império.

Por deliberação da Assembleia Provincial, através da Lei n.º 252 de 02 de Outubro de 1854, Óbidos foi elevada à categoria de cidade e pela Lei n.º 520, de 23 de setembro de 1867 editada pelo Poder Legislativo Provincial, passou a ser sede de Comarca, abrangendo os atuais municípios de Faro e Juruti. Em sessão solene realizada em 26 de Novembro de 1889 a Câmara Municipal formalizou sua adesão à República recentemente proclamada por Deodoro em 15 de novembro daquele ano.

Nessa época, já se evidenciava a preocupação de seus habitantes com a esmerada educação de seus filhos, mandando-os para prosseguir os estudos em Belém e outros centros mais evoluídos, sem entretanto, descurar do preparo intelectual daqueles que, sem recursos, tinham que ficar na Cidade Presépio, estudando em vários colégios existentes.
Para melhora atender a esse desiderato, em 1854 foi criada uma biblioteca com 1.300 livros, o Gabinete de Leitura, um teatro onde se exibiam os artistas locais e o seminário São Luiz de Gonzaga, que funcionando desde 1848, abrigava em regime de internato os que buscavam a carreira religiosa.

É inquestionável a origem militar de Óbidos e por muitos anos, no Império ou na República seu cotidiano esteve ligado às atividades castrenses. Tanto a assertiva é verdadeira que em 1909, bem próximo à Capela do Bom Jesus, foi inaugurado o belíssimo Quartel do Exército, para sediar o 4.º Grupo de Artilharia de Costa, que em sua trajetória conheceu o apogeu e decadência.

Transformado após a revolução de 1924 em 8.ª Bateria Independente de Artilharia de Costa e finda a 2.ª Guerra Mundial, reduzida a uma Companhia de Infantaria, finalmente mudou para Tiro de Guerra 7-275 que esteve em atividade até o ano de 1967, quando foi extinto, restando apenas uma guarnição para a custódia das instalações militares, que incluía a famosa Defesa Gurjão instalada no alto da Serra da Escama, composta de quatro canhões Armstrong, vigilantes diuturnos daquela estreita garganta, posto que disparavam suas mortíferas cargas guiados por eficientes telêmetros.

Com o advento da aviação militar, o que antes era vital e estratégico tornou-se obsoleto. É válido lembrar, porém, que esse mesmo Quartel _ tombado pelo Governo do Pará através do DPHAC/SECULT desde Janeiro de 1998 _ foi palco de uma sublevação, quando seu corpo de sargentos aderiu à Revolução Constitucionalista de 1932, de São Paulo, liderados por um certo Coronel Pompa, supostamente enviado do General Isidoro Dias Lopes com a missão de tomar o Quartel do 27.º Batalhão de Caçadores em Manaus, depois o 26.º BC de Belém, assim conseguindo a simpatia e a adesão do extremo norte à causa dos paulistas.

Ildefonso Guimarães, que abrilhanta a Academia Paraense de Letras com sua cultura, narrou esse episódio de forma insuperável em seu livro “OS DIAS RECURVOS”. Em determinada passagem destaca a importância do quartel para a vida dos habitantes de Óbidos, que lá tinham invariavelmente alguém da família prestando o serviço militar obrigatório ou tentando fazer a carreira das armas. Para os obidenses, era a sua "universidade".

Entretanto, essa vinculação com a caserna não impediu que inúmeros obidenses se destacassem nas ciências, na política, nas artes, no serviço público e nas letras, inclusive jurídicas, bastando citar duas das maiores expressões de nossa literatura, ambos fundadores da Academia Brasileira de Letras, o jornalista, educador, escritor e critico literário José Veríssimo de Matos e o romancista, jurista e tratadista Herculano Marcos Inglês de Souza.

Destaque inegável tiveram também Manoel Francisco Machado, o Barão do Solimões, Governador da Provincia do Amazonas, doutor por Coimbra e uma das mais sólidas culturas do Império; os Desembargadores Romualdo de Souza Paes de Andrade e Raymundo Nogueira de Faria que presidiram o TJE; os Padres Raimundo e Antônio Manuel Sanches de Brito; os Ministros do TST Raymundo de Souza Moura (que o presidiu) e Rider Nogueira de Brito; o ativista político Pedro Pomar; o poeta Saladino de Brito; os escritores e intelectuais Francisco Manoel Brandão, Benjamin Lima, Luís Carlos Urquiza, Ildefonso Guimarães e Ademar Amaral; o administrador e político Augusto Corrêa Pinto; o jurista Eduardo Grandi; o artista plástico Klinger Carvalho; o Dep. Haroldo Tavares, ex-Presidente da Assembleia Legislativa do Pará; o Conselheiro, médico e pesquisador Manoel Ayres; o Procurador de Justiça Geraldo Magela Pinto de Souza; o Juiz do TRT Eliziário Bentes e tantos outros.

Óbidos é uma cidade histórica, dotada de um Museu Contextual, que através de painéis fixados na fachada de seus principais prédios narra a trajetória de cada um deles, os eventos e as personalidades que os habitaram. Seu patrimônio cultural é riquíssimo e dele se ocupa a ACOB, uma associação civil que administra outro museu, permanentemente aberto aos visitantes.

Pelo seu traçado urbano e suas edificações de inspiração lusitana, ela é considerada a cidade mais portuguesa na linha do equador. Sua vetusta arquitetura foi recentemente inventariada pela arquiteta Jussara Derenji, sob os auspícios da UFPa/CNPQ, no Livro Caderno de Arquitetura 1 _ Óbidos, da série "Arquitetura da Amazônia". A frente da cidade banhada pelo Rio Amazonas forma um desenho que inspirou os que lá nascem serem chamados de "Fivelas".

A economia ainda se baseia na agricultura, na pecuária e na pesca, a exemplo de quase todas as cidades do Baixo Amazonas, porém fica cada vez mais nítida sua vocação para o turismo cultural e ecológico, graças à exuberância da natureza que a cerca, suas serras, rios extremamente piscosos e lagos de rara beleza, com destaque para o Curumú e o Flexal, palcos dos já tradicionais festivais do Tucunaré e do Acari, afora o delicioso banho no Igarapé do Curuçambá, de águas geladas de tirar o fôlego.

Há que se falar também no pitoresco festival do Jaraquí, realizado na Praça José Veríssimo em Junho, reunindo milhares de pessoas inclusive dos municípios vizinhos, que recolhem o saboroso peixe do Amazonas com suas tarrafas recheadas na fartura das piracemas, para em seguida saborea-lo sob as mais diversificadas (e deliciosas) formulas culinárias.

Julho é um mês inteirinho de festas religiosas e profanas, com a realização do Círio de Sant ´Ana e a porfia entre os estudantes geradas pela Ginkana Cultural, que independente do resultado termina via de regra num enorme congraçamento, eis que o espírito alegre e festeiro do povo fala mais alto e mostra seu vigor na superação de eventuais e passageiras rivalidades.

Com seu jeitão de burgo lusitano onde o tempo não corre (melhor dizendo, escorre), porém antenada no milênio que se avizinha, dispondo inclusive de todos os avanços que a energia elétrica agora abundante pode propiciar,  a "Cidade Presépio" - assim chamada por lembrar a cena do Natal, quando vista de longe - reúne todas as condições para tornar-se mais um dos tantos destinos turísticos que o Pará já dispõe e que todos os paraenses certamente merecem ver e acima de tudo desfrutar.

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