TERÇA DA CULTURA POPULAR – “Rei Morto, Rei Posto”

TERÇA DA CULTURA POPULAR – “Rei Morto, Rei Posto”

Célio Simões (*).

"REI MORTO, REI POSTO" é uma expressão que mostra como o poder, a posição de mando e a influência política, profissional ou social, podem mudar rapidamente. Quando alguém perde posição de destaque, outro assume seu lugar de imediato, provando que nesta vida ninguém é insubstituível. É como se um trono imaginário estivesse ou precisasse estar sempre ocupado.

É muito usada para descrever situações de substituição rápida de líderes e/ou figuras influentes. Antigo lema das monarquias, traduz incontestável realidade, pois no momento em que o rei morre, seu herdeiro já é rei, sendo a coroação, com pompa e circunstância, mera formalização daquilo que na prática já ocorreu, pois nenhum reino não pode ficar acéfalo. Exprime a transitoriedade do poder. Quem é poderoso hoje, não será mais amanhã. Os reis passam, a coroa e o cetro ficam.

Considerando sua origem, essa expressão passou a ser modernamente utilizada em diferentes contextos. Se nos remotos tempos das monarquias europeias, após a morte ou a abdicação de um rei, outro monarca de imediato ascende ao trono, sem interrupção de determinada linhagem de nobres, no mundo profano, é usada para descrever a tendência de se substituir uma figura de poder por outra, sem grandes lamentos sobre o antecessor, na busca por um novo líder, seja ele político, religioso, militar, empresarial, enfim, onde a figura central ou o número um da organização social, precisa existir. 

Não confundir, entretanto, “rei posto” com “rei deposto”, embora seja a mesma a consequência. Em uma ou outra situação, ganha relevo a natureza implacável da sucessão e a imediatidade com que as pessoas costumam substituir figuras importantes, sem muita reflexão sobre seu passado meritório. 

É induvidoso que a expressão se refere ao definitivo desligamento de alguém,  do seu cargo de mando. E quando o “todo poderoso” é apeado do poder, somem também os assessores e serviçais, cabendo ao dito cujo se adaptar e levar a vida como simples mortal, como lembrou Fernando Henrique Cardoso ao sair da presidência da República, sobre ter que fazer o próprio check-in no aeroporto, carregar a própria mala, fazer suas compras ou procurar um táxi.

A observação do ex-presidente nos remete àqueles que imperam em uma instituição por muito tempo, criando vínculos profundos com as demais pessoas. Quando o manda chuva se retira ou é retirado, dissipados os efeitos chorosos das despedidas sinceras ou não, os antigos subordinados já ficam de olho em quem entra, propiciando-lhe calorosa recepção, tudo para cair em suas boas graças e continuar se dando bem, sem nem disfarçar a hipocrisia.

Nos relacionamentos amorosos há o famoso “um novo amor para esquecer o antigo”. A propósito, já foi dito que “ninguém substitui ninguém”, mas essa realidade é duvidosa. Basta perguntar a alguém que amou muito e de repente, foi deixada de lado. Nesse caso, é razoável imaginar que esse “rei posto” (o amor que se foi) deixou marcas indeléveis duradouras, resultantes de um convívio prenhe de momentos felizes, que não podem desaparecer de repente, assim, mal comparado, como se apaga a chama de uma vela. 

Em Portugal, a expressão “REI MORTO, REI POSTO” é muito utilizada quando as pessoas se aposentam ou deixam em definitivo o trabalho (de forma honrosa ou pela porta dos fundos), e no aspecto amoroso, quando vem a separação.

O escritor José Murilo de Carvalho, no excelente livro que escreveu sobre o nosso mais festejado monarca - “D. PEDRO II” (Companhia das Letras, ano 2007, pág. 21) - narrando o drama que se seguiu à abdicação de Pedro I, usou com exatidão tal expressão: “QUANDO O MAJOR FRIAS VOLTOU DO CAMPO DE SANTANA COM A NOTÍCIA DA ABDICAÇÃO, VÁRIAS COISAS PODERIAM TER ACONTECIDO (...). O GRITO DE “VIVA D. PEDRO II”, LANÇADO PELO GENERAL MANUEL DA FONSECA LIMA E SILVA, IRMÃO DE FRANCISCO DE LIMA E SILVA, QUEBROU O SUSPENSE E FOI DECISIVO. COMO POR INSTINTO, A MULTIDÃO REPETIU A ACLAMAÇÃO, DESFAZENDO A TENSÃO DA EXPECTATIVA E DEFININDO O CURSO DA HISTÓRIA. REI MORTO, REI POSTO...”

Na música popular brasileira, “REI MORFTO, REI POSTO”, cantada por Edú Lobo, com composição de Têtes Raides e Joyce Silveira Palhano, possui o mesmo sentido, em especial na terceira e última estrofe do texto poético:

“DEIXA DESATAR
DEIXA A VIDA FLUIR
UM DIA A VERDADE VAI TER QUE SAIR
MAIS CEDO OU MAIS TARDE NÃO TÁ MAIS AÍ
POR CIMA DO MURO ELA TEM QUE SAIR
E A FORÇA DO ESCURO NÃO TÁ MAIS AÍ
COM GRAÇA E COM GOSTO ELA TEM QUE SAIR
REI MORTO, REI POSTO NÃO TÁ MAIS AÍ...”

"C'est fini", diriam os franceses, para quem ontem, no topo da pirâmide, era “o cara”, o todo poderoso, o chefão, o número um, que fazia e acontecia - e hoje, no esquecimento, “não deferem nem indeferem” no dizer bem humorado do saudoso jurista e professor Júlio Augusto de Alencar, e amargam inconformados o terrível fel do ostracismo, pois nem mesmo para velório são convidados... 

(*) CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, com extensão em Metodologia do Ensino Superior, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, idealizador, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e membro da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, fundador e ex-vice-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém, membro titular do Instituto dos Advogados do Pará, membro e ex-consultor jurídico da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

 

 

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