"INCHADO", texto de Jorge Ary Ferreira

"INCHADO", texto de Jorge Ary Ferreira

Dentre as características das pequenas cidades, está a identificação de seus filhos através do "agrado". Óbidos não difere; talvez, se levantássemos esses dados, chegaríamos à conclusão de que temos mais pessoas reconhecidas pelo agrado do que pelo nome próprio, inclusive alguns cidadãos dos quais não temos noção de qual seria seu próprio nome, isso desde que me entendo por gente.

Dentro desse grupo, encontra-se o meu queridíssimo amigo RAIMUNDO SOARES GONÇALVES. Dou um doce a quem me disser de quem se trata.

Nascido no Igarapé das Fazendas, cresceu naquele paraíso, lambando biro-biro, pescando, virando tracajá... Nos anos setenta, passou a fazer pequenos trabalhos na Fazenda Nava, administrada pelo saudoso Haroldo Amaral, na companhia de quem veio para Óbidos, onde constituiu família, criou os seus filhos com muita dignidade, e até hoje nos brinda com as suas "pérolas". O conheci ainda "molecão", trabalhando com o meu pai na região do Araraquara, onde o mesmo era vaqueiro. De lá para cá, nos tornamos amigos muito próximos, e sempre que tenho algum tempo de sobra pela manhã, dou-me o prazer de sentar na sua varanda, onde ele montou uma atividade comercial na venda de peixe assado para o almoço. Com uma freguesia bastante seleta e concorrida, quem passar pelo BAR DO INCHADO e me ver ali, sentado naquela cadeira de balanço ou naquele banco corrido, pode ter a certeza de que estou me divertindo, pois o convívio com o Inchado é sempre um momento prazeroso, de muitos risos, de longas gargalhadas.

Posso afirmar que não sou o único a desfrutar de sua amizade e a ter esse prazer de bater um papo com ele. São e eram frequentadores assíduos daquela varanda: Branco Martins, Mário Henrique Guerreiro, Corino Guerreiro, Felipe Medeiros, Marcelo Figueira, Amarildo Bentes, saudoso Nilton Melo, Cecílio Barroso, saudoso Haroldo Amaral, Jardel Vasconcelos, Chico Barbado, João Canto, Dr. José Raimundo Canto, Professora Jacira... O rol de frequentadores é muito grande, todos amigos e conhecedores profundos da figura. Trata-se de uma pessoa de senso crítico bastante apurado e com humor na veia. Ninguém passa pela rua sem cumprimentá-lo ou jogar um papo, e dependendo da abordagem, é o tom da resposta. Atende sua freguesia sempre de calção, e não conheço culhão mais folgado em Óbidos. Nunca teve a aporrinhação de uma "Zorba" lhe pressionando. Quase sempre sem camisa, e quando está de camisa, ela não é abotoada. Pouco estudou e nunca ligou para a maneira como pronuncia as palavras. Todos que o conhecem sabem e entendem o seu "dialeto". Também não tentam ensiná-lo, pois ele não obedece, e quando insistem, ele manda tomar naquele lugar e continua a falar da forma que acha.

Certa vez, alguém procurou por D. Maria, sua esposa, e ele respondeu:

— Passa depois que ela foi rapidinho ali no grupo buscar o "bulinete" do Márcio.

A senhora ficou pensativa, o Albino Jr. que assistia e o conhecia bem esclareceu:

— Ela foi buscar o "boletim" do filho na escola.

Em 1997, a prefeitura adquiriu alguns veículos, de onde vieram três caçambas General Motors, e traziam a sigla GMC bem destacada, em alto-relevo, acima do para-choque. Numa manhã de sábado, passou um dos veículos, e alguém perguntou o que significava o GMC na frente, e ele prontamente respondeu:

— Ora, o quê, o prefeito não é besta, mandou botar o nome dele, GMC "José Mário de Souza". Alguém que escutava a conversa fez a seguinte observação:

— Rapaz, o Inchado está evoluindo bem, ele já acertou o M, 33% de avanço.

E assim vai levando a sua vidinha, sem fugir da sua linha, garça e galça, marmita é malmita, garfo é galfo, sentimento é sentidão... E não tente corrigi-lo que ele manda tomar muito longe. Outra vez, estavam vários amigos jogando bilhar apostando cervejas, e ele anotando as duplas que jogavam. Terminada uma partida, qual é a próxima dupla, olharam para o quadro e estava anotado além de outras compreensíveis, ÇC e OO, ficaram sem saber de quem se tratava. O Carlito indagou ao anotador que estava a fazer o fogo para assar o peixe:

— Ei, Inchado, que porra é ÇC e OO?

Ele respondeu:

— Mas tu és burro, é Çabá e Carlito e Orbino e Ormito.

Ele se referia às duplas Sabá e Carlito e Albino Jr. e Hamilton.

Uma coisa é certa, se você quiser um peixe assado na "categoria", ou uma caldeirada de respeito, recomendo, inclusive, para quem gosta. D. Maria é respeitada no picadinho de cujuba. Recomendo e muito aquele local, tanto pela boa comida acompanhada de uma cerveja estupidamente gelada, como pelo prazer do convívio. Porém, se for beber, peça litrão ou de 600ml, o proprietário se nega a vender "longe nete", porque:

Quem vai querer tomar uma porcariazinha daquela?

Comentários  

0 #1 Raimundo Imbelloni 29-09-2023 13:04
Muito boa a matéria sobre o inchado, sou admirador dele e cliente.
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