Advogada desmistifica a legislação e ensina como usar o Portal da Transparência e o e-SIC para fiscalizar contratos, salários e obras públicas do bairro
O Direito Administrativo pode parecer burocrático, mas a Lei de Acesso à Informação (LAI) é, na verdade, uma das ferramentas mais importantes para a participação do cidadão na fiscalização do uso do dinheiro público. Ela transforma a transparência em prática diária, permitindo que a sociedade exerça o controle social sobre a administração pública.
Para desmistificar o uso da LAI, a advogada Natasha Lazzaretti, docente do curso de Direito da UNAMA Santarém, explica como a Lei nº 12.527/2011 é acessível a todos. Ela ainda ensina como utilizá-la para acompanhar as ações do governo.
Segundo Natasha Lazzaretti, a LAI concretiza um dos pilares do Estado Democrático de Direito: o direito de todo cidadão saber como o poder público atua. Ela transforma o princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput, da Constituição Federal) em prática cotidiana. “Na vida real, isso significa que qualquer pessoa pode solicitar e obter dados sobre como o dinheiro público é gasto, quem são os servidores, quais empresas firmam contratos com o governo ou como andam as obras públicas do seu bairro”, afirma a advogada.
A transparência é essencial à democracia porque ilumina o exercício do poder, inibe a corrupção, melhora a gestão e permite que a sociedade exerça o controle social sobre os atos da administração. Isso traz legitimidade à gestão pública.
O caminho ao acesso
Para o cidadão que deseja começar a buscar dados, a advogada indica o passo inicial. “A primeira coisa é acessar o Portal da Transparência do ente público responsável (União, Estado ou Município). Porém, na maior parte das vezes, basta digitar no navegador ‘Portal da Transparência + nome do município’.”
Se o material desejado, como planilhas de execução orçamentária ou contratos da obra, não estiver disponível, o cidadão tem a opção de fazer um pedido formal pelo Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC). Em prefeituras menores, o protocolo pode ser presencial, mas o procedimento é simples: basta informar nome, contato e descrever o que se deseja saber. Não é necessário justificar e nem fundamentar o pedido.
Existem duas formas de acesso: transparências ativa e passiva. A primeira opção é a divulgação espontânea, pelo poder público, de informações de interesse coletivo, sem necessidade de solicitação. O Art. 8º da LAI obriga todos os órgãos públicos a manter dados sobre despesas, licitações, contratos, remuneração de servidores e relatórios de gestão em local de fácil acesso, preferencialmente em sites oficiais.
A passiva ocorre quando o cidadão faz um pedido específico de informação que não está disponível publicamente, como o cronograma de execução de uma obra ou cópias de relatórios. Nesse caso, o poder público tem o dever de responder dentro do prazo legal.
O e-SIC é a principal ferramenta digital para requerer informações públicas. Para utilizá-lo, o cidadão faz apenas um cadastro básico (nome, e-mail e CPF) para receber a resposta, descreve o pedido e o envia. “Por força de expressa previsão da LAI, é dispensável a apresentação de qualquer justificativa. Não é necessário que o solicitante explique o motivo da consulta. O dever de transparência é objetivo e incondicional”, esclarece a advogada.
As informações mais solicitadas pelos cidadãos, essenciais para o controle social, costumam ser: folha de pagamento e remuneração de servidores públicos; despesas com combustível, viagens e diárias; contratações e licitações públicas; execução de obras e convênios; repasse de verbas a organizações sociais e ONGs; e dados sobre saúde e educação, como fila de cirurgias, merenda escolar e transporte escolar.
Prazos e recursos administrativos
De acordo com o art. 11, §1º, da LAI, o órgão público tem 20 dias para responder ao pedido, com a possibilidade de prorrogar por mais 10, mediante justificativa expressa. Se o pedido for negado ou não respondido, o cidadão pode interpor recurso administrativo, que, inicialmente, é endereçado à autoridade superior e, em seguida, à autoridade máxima do órgão.
“Persistindo o descumprimento, é possível representar à Controladoria-Geral (no caso da União) ou aos órgãos de controle interno e tribunais de contas nos demais entes federados. Vale ressaltar que o silêncio administrativo pode, inclusive, configurar ato ilícito e violação a direito fundamental, passível de controle judicial”, pontua Natasha Lazzaretti, docente da UNAMA Santarém.
O sigilo é exceção
A LAI prevê que nem todo material pode ser público. O sigilo é exceção e só se admite nos casos previstos em lei, tais como: informações sigilosas de Estado, cuja divulgação possa comprometer a segurança nacional, as relações internacionais ou a defesa do país; informações pessoais capazes de afetar a intimidade, vida privada, honra e imagem de indivíduos; dados protegidos por sigilos fiscal, bancário, comercial ou industrial; e processos administrativos ainda em curso, quando há a possibilidade da publicidade prejudicar investigações ou auditorias. Nesses casos, o órgão deve justificar expressamente o motivo da restrição e indicar o prazo de sigilo, conforme as classificações de grau de sigilo (reservado, secreto ou ultrassecreto).
O gargalo e a tecnologia
Para a advogada, o principal gargalo na aplicação da LAI é a falta de estrutura técnica e capacitação em muitos municípios, especialmente os de pequeno porte. “Faltam servidores treinados, padronização de sistemas e recursos tecnológicos para manter os Portais da Transparência atualizados e acessíveis”, explica.
No entanto, a tecnologia é uma aliada poderosa. "Softwares integrados de gestão pública, painéis interativos, inteligência artificial para classificação automática de dados e plataformas em nuvem podem ajudar nos custos e ampliar o acesso à informação, democratizando o controle social mesmo nas localidades mais distantes".
A advogada ressalta que todo cidadão precisa ter consciência de que fiscalizar o poder público é um ato de cidadania. “A LAI nasceu para aproximar o cidadão do Estado, não para afastá-lo por formalismos. O acesso ao material é um direito fundamental, equiparado à liberdade de expressão e ao voto. É sempre importante lembrar que o orçamento público é composto, em grande parte, pelos tributos que cada cidadão recolhe direta ou indiretamente. Nada mais justo do que saber a destinação dos valores que ficam sob responsabilidade do poder público. E informação pública não pertence à administração, pertence ao povo”.
Por Henrique Brito