TERÇA DA CULTURA POPULAR: “Conto do Vigário”

TERÇA DA CULTURA POPULAR: “Conto do Vigário”

Célio Simões.

A expressão "CONTO DO VIGÁRIO", da qual deriva uma outra igualmente desabonadora - vigarista - diz respeito a golpe, trambique, artimanha, trapaça ou fraude, onde a vítima é miseravelmente enganada por meio de uma história bem elaborada, fantasiosa, rocambolesca, mas bem bolada e convincente. 

Sua origem remonta às antigas, em que os vigaristas, que não utilizavam violência física, porém a lábia como arma de ataque, se passavam por representantes do vigário ou usavam sem pudor a figura do próprio vigário, para lhes emprestar credibilidade, alicerçando melhor seus golpes. 

Assim, "CONTO DO VIGÁRIO" tem raízes históricas lastreadas em práticas enganosas que se popularizaram em Portugal e no Brasil, aperfeiçoando-se através dos tempos, principalmente na era da internet para aplicação de golpes contra os incautos, agora com a decisiva contribuição da inteligência artificial, que adultera com fidelidade a imagem e da voz das pessoas, para divulgação escancarada de mentiras, engodos, burlas e falsificações. 

Em tempos de crise econômica, com elevado desemprego e redução salarial, fazendo aumentar a angústia coletiva, é até compreensível, embora não aceitável, a proliferação de golpes por pessoas despidas de escrúpulos, que se aproveitem da aflição alheia para faturar alto, seja oferecendo produtos ou serviços prometendo excelentes resultados, com quase nenhum esforço e sem sair de casa, desde que mediante determinado investimento, que sem dúvida vai fazer falta ao infeliz, que piamente acredita no suposto milagre.

Medicamentos anunciados com alarde, que prometem resolver as dores físicas ou psicológicas dos que padecem, são ofertados todo dia pelo rádio ou TV, com a ressalva de que não podem ser encontradas em farmácias convencionais, para serem adquiridos mediante compra virtual, com pagamento adiantado, de insuscetível devolução ou estorno se o “tratamento” resultar frustrado. Puro golpe, com milhares de vítimas engordando a conta bancária dos espertalhões, refinados profissionais do “CONTO DO VIGÁRIO”.

Também é comum nas redes sociais conselhos sobre como aplicar melhor o suado dinheiro de cada qual, com golpistas acenando com enriquecimento fácil ou investimentos de alto rendimento, o que acaba em decepção, pois nada de milagroso ou imprevisível acontece no mercado financeiro ou no mercado de ações, atrativos irresistíveis para quem deseja acumular fortuna, levando vida mansa. São “pegadinhas” de vigaristas e o final é bastante conhecido: os “investidores” depenados e o pilantra levando vida de barão. Os idosos, por índole crédulos ou necessitados, são as vítimas prediletas dos escroques.

Uma das versões mais anedóticas da origem dessa expressão, envolve uma acirrada disputa entre duas igrejas - do Pilar e de N. S. da Conceição - por uma bela imagem de Nossa Senhora, onde um dos vigários, como forma de encerrar a contenda, propôs que se amarrasse a dita imagem a um burro para deixá-lo escolher a igreja sem interferência de ninguém. Pactuaram que para onde o animal fosse, a venerada Santa ficaria lá. O tal burro, que desde novo pertencia ao vigário da igreja do Pilar e por isso era apegado ao dono, acabou rumando para aquele templo, garantindo àquela igreja a posse definitiva do ícone religioso, revelando-se a esperteza do sacerdote só muito tempo depois. 

Existe uma outra versão sobre a origem da expressão. No século XIX, várias pessoas se apresentavam como se fossem emissários do vigário, solicitando ajuda financeira para que pudesse ser guardada em segurança, suposta mala recheada de dinheiro. Após acumular os mil-réis alheios com essa conversa mole, o espertalhão sumia com a grana recebida, para repetir o mesmo golpe em outras cidades, onde o povo é receptivo e solidário aos pedidos de ajuda. 

Na música brasileira, o festejado Trio Parada Dura interpreta a música “CONTO DO VIGÁRIO”, composição de José Homero, destacando-se a última estrofe do texto poético, que aborda o tema:

“CASAMENTO NÃO PRENDE NINGUÉM
NÃO OBRIGA NINGUÉM SER OTÁRIO
SE PRA UM ELE É LOTERIA
PARA MIM FOI CONTO DO VIGÁRIO”

Na literatura, o livro do escritor José Augusto Dias intitulado “OS CONTOS E OS VIGÁRIOS”, trata de episódios sobre o “CONTO DO VIGÁRIO”, abordando uma gama de fatos reais que podem ser analisados. Referido livro contém inúmeras referências de fontes importantes, tentando entender esses laços de sociabilidade - se é que se pode chamar assim - entre o vigarista e sua vítima.

No trecho a seguir pode-se identificar a reação e o sentimento do otário em relação ao ocorrido, que no papel de vítima, talvez desejasse ser ele mesmo o vigarista, daí sua frustração: “AQUELES QUE SÃO ENGANADOS ACABAM FINALMENTE POR ADQUIRIR A PUNGENTE CONSCIÊNCIA DE QUE SE TORNARAM VÍTIMAS DE TRAMOIAS BEM ARMADAS, MAS TÃO POUCOS PROCURAM A POLÍCIA OU A IMPRENSA PARA RECLAMAR DO FATO – COM ISSO INTERROMPENDO, COMO JÁ VIMOS, OS CIRCUITOS PELOS QUAIS TAIS ACONTECIMENTOS PODERIAM CHEGAR A SER POSTERIORMENTE CONHECIDOS. HÁ DOIS MOTIVOS BÁSICO PARA ISSO E UM DELES É ABSOLUTAMENTE BANAL: A VERGONHA!

Isto acontece porque ninguém quer passar por otário. Tal premissa, adaptada, burilada e deturpada pelos vigaristas, tornou-se nacionalmente conhecida como é ainda hoje - "CONTO DO VIGÁRIO" - usado para descrever fraude ou enganação, envolvendo história fantasiosa e persuasiva. Nesse contexto, “vigarista” ou “golpista” dá no mesmo:  indica quem se aproveita da confiança e da ingenuidade de outrem para tirar proveito, principalmente financeiro. 

O vigarista é e sempre será um trapaceiro, indivíduo cheio de manhas e astúcias; espertalhão, finório e ladino, trampolineiro contumaz em busca de vantagens. Popularmente virou “trambiqueiro”, porém sua saga estará sempre ligada a golpes e fraudes, praticadas com a torpeza dos que nasceram com esse duvidoso talento. Tenha portanto, muito cuidado com eles ou com elas!...

 

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